“Hoje estive a dar apoio a uma mulher que foi roubada. o valor não foi nada de espectacular, que justifique o pânico do patrão como foi o caso, mas ter o canudo apontado à cabeça, esse sim. É um momento frio, de morte eminente de um pânico silenciador onde o mundo, não o universo pára congelando todas as extremidades orgânicas que possamos ter e não há como fugir – pensamos: porra tenho tanto ainda por fazer e estou presa por um dedo que transpira nervos e pode disparar esta arma em nano segundos.
Quando a vejo tremer nada mais me ocorreu se não partilhar com ela a minha experiência brutal com o roubo do primeiro carro em Moçambique. Mas antes lembrei-lhe que em países civilizados, as empresas apoiam com acompanhamento psicológico – desordem de transtorno pós traumático existe (não abordarei a guerra) e comprova-o a forma como reajo quando alguém se aproxima de mim eu estando dentro do carro. Suores, tremores, e um pânico generalizado de fim do mundo apodera-se. Nunca me façam essa brincadeira vão acabar muito mal (um pequeno aviso).
Não me esquecerei nunca pós o meu primeiro roubo de carro, estar na rádio a ouvir a notícia da Queen Latifa nos EUA ter sido também ela “carjackada” e andar a ser seguida terapêuticamente e eu pensar, lá em África, como seria se eu tivesse tido esse apoio. Ironia das ironias eu não cantava, nem era queen de nada ou coisa alguma – é o aguenta-te. Ela perdida, sem sentido de vida e eu aguenta-te.
Adiante. A experiência do meu primeiro carro roubado foi presenciado pela minha amiga Anita. E foi por causa dela, por estar presente a mexer no 4×4 do pai dela, com chaves na mão enquanto eu estava a ser roubada que descobri ser possível ter sangue frio e até pensar. Sem sermos heróis (os heróis normalmente levam tiros).
Eram 21h, hora já tardia para maputo quando fui apanhar a Anita, entro no parque dela já com o rabo do carro pronto para sair e tudo, manias de quem acha que conduz bem. Sou abordada por um mulato encorpado, com uma pistola cor prata e faz aquele gesto de clack clak para carregar a arma. Primeiro sinal de seriedade, nesse momento entra um preto no lugar do morto, totalmente passivo, mas totalmente. Eu estou entre um e outro. A Anita, grita percebe o que se está a passar e chama por mim. Nesse momento eu já estava com o sangue 100% nos meus pés, congelado, a pensar na vida e mais grave ainda, como conseguir ficar com o carro sem levar tiros. Mulher às vezes…
Segundo pânico, estes homens vão perceber que tenho uma amiga, também mulher (raios…) com chaves duma 4×4 na mão, ou, com o pânico do imprevisto de a ter por ali no momento (claramente fui seguida, não foi um roubo porque sim, conheciam os passos), desatam aos tiros. Naquele momento o meu único (ainda sem filha nas mãos) receio era em vez de mim a minha amiga levar um tiro. Tento distraí-lo, o mulato que tinha a arma na mão e que apontou para a minha amiga de seguida, tentando retirar as chaves da ignição e deitar fora (errado…) mas era um carro com truque e precisava dum jeito para retirar as mesmas. Ele percebeu e só senti depois uma mão pesadita agarrar-me pelo braço (as marcas ficaram como negras, os dedos) e literalmente atirar-me do carro para fora. Ele entrou e foram-se embora.
Olhei para a Anita (tá viva) e … juro, levantei-me e fui a correr pela rua atrás do carro, sei lá, tentar recuperar a total violação que foi aquele momento porque o carro esqueçamos. Foi, inteiro. Sim inteiro. Podiam ter roubado o rádio.
O que se seguiu depois deste assalto não falarei aqui porque a coisa teve episódios seguintes.
O registo de interesse é sem dúvida alguma não termos levado um tiro, porque aquele momento derradeiro de “vou morrer agora” não é descritível. Sim perdi um carro mas mais importante foi-me atirado à cara a minha total vulnerabilidade perante uma arma. Naquele momento quis comprar uma e desatar aos tiros. Pior, sei do medo dos moçambicanos de cobras, pensei ainda em arranjar uma grandita tipo jibóia para andar no carro comigo e mais uma garrafa de whisky rasca com cianeto lá dentro, já a contar com o próximo roubo (sim acabei por perder ainda mais dois carros). E até isso passou-me.
Importante: não irritar quem tem uma arma na mão. Uma verdadeira. É muito importante ficar por cá para podermos contar a como sobrevivemos as noites depois disso. Não fazer movimentos bruscos e só olhar directamente nos olhos (foram os olhos que denunciaram roubos seguintes) se se perceber que o assaltante é convicto, experiente (mas isto raramente sabemos) e sabe o que faz, portanto não olhar e ouvir bem. O trauma? os tremores e suores e medo puro com tempo, muito tempo passam. Sim ajuda ter com quem falar, partilhar e até quem sabe escrever.
Cada um com as suas técnicas de “endurance”. Nota importante, é saber que o retirar o cinto pode ser visto como o sacar de uma arma, digam “vou tirar o conto” enquanto mostram a outra mão. Mas não há heróis. Eu estou cá para contar mas conheço. quem não esteja. Não devemos subestimar como isto nos possa afectar (desconfiamos de tudo), mas também não há outra maneira de atravessar a rua sem ser – atravessando-a!”
Marta Reprezas



