Os Crescidos deixam de Voar

“Eu sei que voar é uma forma quase enfadonha de falar do que somos capazes quando escorregamos do olhar para o coração. Mas fiquemo-nos por ele. Porque é que as pessoas, logo que crescem, deixam de voar? Eu acho que as pessoas, quando crescem, se tornam um bocadinho sem-abrigo. Porque lhes falta uma janela – entreaberta, que seja – à sua espera. Deixam de acreditar em fadas e em bruxas, mesmo sabendo que elas moram por aí, fora das histórias. E, se se fiam no Pai Natal, é com vergonha. Acham que o coração se torna um órgão cor-de-rosa, esconso, com quatro cavidades. Sem janelas, nem mansardas nem guaritas. A mim, parece-me que as pessoas, quando crescem -, sem saberem porquê – só brincam às escondidas. Não choram no cinema. Deixam de saber como se ri até às lágrimas. E perdem, o jeito – bom e batoteiro – de espreitar as conclusões antes de folhearem qualquer história. Se não se perdem nas histórias, as pessoas desistem de voar. Deixam de ter várias vidas. E, em todas aquelas onde, teimosamente, ainda se barricam, morrem para a vida eterna. Muito, muito antes, do seu entendimento lhes cochichar que já morreram. Parece-me que, quando crescem, as pessoas só voam quando sonham. E isso não é bem voar; é mais dormir. Deixam de saber como é que, partindo dos olhos, se chega, num instantinho, ao coração. Tornam-se amigas do silêncio. Passam a viver resgatando memórias. E, quando é assim, a esperança (que as memórias constroem, peça-a-peça) fica inquinada de saudade. E desperdiçam as outras vidas (para além da sua) que, sempre que estamos disponíveis para voar, não deixam de se pespegar, por perrice, ao pé de nós.”

Eduardo Sá*, aqui.

Os Crescidos é o que os meus alunos mais pequenos chamam aos adultos, e o facto dos adultos deixarem de voar ( que é das poucas coisas acertadas que este senhor diz) faz-me gostar cada vez mais de crianças.

Que aborrecimento ver o mundo a preto e branco, sem histórias nem fantasia, sem tontices nem brincadeiras, eu conheço o mundo “real” mas recuso-me a que seja esse o que rege os meus dias, é tão bom poder voar.

 

* sim este senhor irrita-me até ao fim da minha alma e ninguém me tira da cabeça que ele é um potencial psicopata disfarçado de amigo das criancinhas, ainda assim lido é melhor que ouvido.

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