http://www.youtube.com/watch?v=ajuITcvjyPE

“Saber viver é vender a alma ao diabo

Gosto dos que não sabem viver,

dos que se esquecem de comer a sopa

((Allez-vous bientôt manger votre soupe,

s… b… de marchand de nuages?»)

e embarcam na primeira nuvem

para um reino sem pressa e sem dever.

Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,

transborda e escorre, já rio no chão,

e gosto de quem lhes segue o sonho

e lhes margina o rio com árvores de papel.

Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.

Contigo é que me entendo,

piquena que te matas por amor

a cada novo e infeliz amor

e um dia morres mesmo

em «grande parva, que ele há tanto homem!»

(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?..)

Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,

da Julieta-das-Trapeiras,

do Tenório-dos-Bairros

que passa fomeca mas não perde proa e parlapié…

Passarinheiros, também gosto de vocês!

Será isso viver, vender canários

que mais parecem sabonetes de limão,

vender fuliginosos passarocos implumes?

Não é viver.

É arte, lazeira, briol, poesia pura!

Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;

não me bandeio (que eu já vi esse filme…)

com gerações perdidas.

Mas senta aqui, mendigo:

vamos fazer um esparguete dos teus atacadores

e comê-lo como as pessoas educadas,

que não levantam o esparguete acima da cabeça

nem o chupam como você, seu irrecuperável!

E tu, derradeira geração perdida,

confia-me os teus sonhos de pureza

e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia…

Por que não põem cifrões em vez de cruzes

nos túmulos desses rapazes desembarcados p’ra

[morrer?

Gosto deles assim, tão sem futuro,

enquanto se anunciam boas perspectivas

para o franco frrrrançais

e os politichiens si habiles, si rusés,

evitam mesmo a tempo a cornada fatal!

Les portugueux…

não pensam noutra coisa

senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,

nos pintores, nas aflitas,

no tojé, na grana, no tempero,

nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e

… sont toujours gueux,

mas gosto deles só porque não querem

apanhar as nozes…

Dize tu: – Já começou, porém, a racionalização do

[trabalho.

Direi eu: – Todavia o manguito será por muito tempo

o mais económico dos gestos!

*

Saber viver é vender a alma ao diabo,

a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,

a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,

a um satanazim que se dá por contente

de te levar a ti, de escarnecer de mim…”

Alexandre O’Neill

Estava a ver o filme “Moulin Rouge” e lembrei-me deste poema.